CARTA DE DESPEDIDA – MEU GRANDE AMIGO

Meu grande amigo,

Tento escrever essa carta logo após um acesso de tosse. Hoje eu não me sinto mais tão confiante. Tive febre e sinto que minha condição está um pouco pior. Sonhei essa noite que as coisas não davam certo e precisávamos nos despedir. Eu dizia que não sabia como dizer “adeus” para alguém que está sempre comigo, até entender que era você quem precisava dizer adeus. Era você quem iria seguir sem mim.

Mas será que era mesmo? Para onde vamos depois de mortos? Desaparecemos na eternidade ou, como acreditam algumas religiões, vivemos para sempre em um outro plano? Voltarei a este planeta e encontrarei os meus entes queridos ou o retorno é longe daquele a quem amamos outrora? Tantos questionamentos que eu não tenho resposta e não sei se alguém pode me convencer de alguma dessas opções.

Enfim, estou escrevendo esta carta para o caso de o pior acontecer e eu não conseguir me despedir dos meus queridos. É realmente difícil esse momento de despedida, porque a gente sabe que a saudade virá de qualquer forma e não há muito o que eu possa escrever para aplacar esse sentimento. Sinto muito por não ter conseguido vencer a doença. Isso eu posso dizer. Adoraria que pudéssemos nos reunir mais uma vez, ir a uma balada, dançar loucamente na pista e ficar bêbados antes das três horas da manhã – horário em que normalmente se encerra o open bar.

Nossa amizade começou do nada, não é mesmo? Você realmente lembra como ela se iniciou? Eu fico muito confuso quando penso sobre isso. Acho que as memórias que tenho em minha cabeça são mais invenções do que realidade. A verdade é que nossa amizade se tornou muito maior do que o seu começo e, assim, o que passamos juntos é muito mais importante do que nossos primeiros momentos de amizade. Eu precisei muito de alguém que segurasse minha mão no surto de minha doença e você supriu esse papel, torceu de “pom pom” pela minha vitória e ficou aliviado quando eu saí da zona do suicídio para a ligeira melancolia. E mais: compreende que ainda estava em uma batalha que, talvez, nunca tivesse fim.

Nossa aproximação antes disso já havia se iniciado de maneira efetiva – e você ouvia minhas desilusões amorosas mais como obrigação do que por vontade. Mas poucas vezes se queixou de minhas repetições. Talvez devesse ter feito isso. Podíamos ter brigado de maneira feia e ficado alguns dias sem se falar. Acho que nunca tivemos essa experiência, não é mesmo? Eu, pessoalmente, não consigo me lembrar disso.

Amizade é algo que não sei explicar. Vou sempre falar por mim mesmo, porque você pode saber explicar. Eu me pego sempre pensando sobre a vida e sobre a importância que cada pessoa tem para mim. E vejo a amizade nas pequenas coisas, mas principalmente em quem está ao meu lado nos momentos em que mais preciso. A verdade é que é muito fácil estar ao lado de alguém em seus momentos mais alegres e compartilhar apenas os bons momentos, mas e quando essa pessoa precisa de você? E, às vezes, essa pessoa vai precisar de sua amizade, de sua companhia por um bom tempo. Você está disposto a estar presente na vida dela por todo esse tempo?

Espero que você tenha sentido que podia contar comigo em todos os momentos. Vou ficar muito decepcionado comigo mesmo se descobrir que você não tinha essa impressão e se acreditava que eu considerava meus problemas prioritários perante os seus. Espero que você tenha podido contar comigo da mesma maneira em que eu pude contar com você.

Por fim, chegou o momento da despedida final. Eu fico feliz porque sei que você é amável e carinhoso e vai encontrar uma grande variedade de amigos pela frente. Talvez alguns você goste até mais do que gostou de mim, talvez outros não. É a vida e não podemos controlar essas coisas. Não veja minha morte como algo ruim, mas como o fim de um sofrimento. Veja que eu superei a vontade de acabar com minha própria vida e aguardei o dia em que ela decidisse que seria a minha hora.

Seja feliz, Ricardo. Você merece muito essa felicidade.

 

Obs.: Todos os nossos encontros sempre tinham as conversas extras, né? Nos despedíamos e lembrávamos de coisas, achei bacana lembrar disso dessa maneira, após a despedida.

Obs.: Por favor, peça que apaguem minhas redes sociais. Avisei ao Facebook que estou morto. Não quero meu perfil sendo um santuário a minha pessoa – que nunca se aproximou nem mesmo da barra de um anjo.

Obs.: Você escreve muito bem, Ricardo. Não deixe as dificuldades sobressaírem ao seu talento. Se esse for o seu desejo, prossiga. Se não for, encontre um sonho e persiga ele. A vida é triste para aqueles que não sonham e eu posso falar isso com propriedade, porque perdi essa capacidade muito antes de fechar meus olhos neste hospital.

Obs.: Obrigado por me apoiar durante todo o período de cama. Agora, chegou o seu momento de se livrar desse cheiro de hospital.

 

Com amor,

Carlos.

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